sábado, 27 de fevereiro de 2010

Talvez compense esperar cenas do próximo capítulo...

Ela havia saído sem pretensões. Ele sempre farejava caças. Talvez, despretensiosa que estava, ela exalava um cheiro de presa fácil. Foi irresistível se aproximar e tentar flertar com ela. E assim trocaram as primeiras palavras e impressões. Ela observava diferenças. Ele vomitava semelhanças. Cada um com seu jeito de vislumbrar um encaixe, mas sem que o contato precisasse de fato ocorrer. Desse modo se despediram, sem toques nem gostos trocados em seus lábios. Apenas o grito de um número e a sensação de uma noite divertida, dessas que nos arrancam as melhores gargalhadas e nos trazem suspiros de alento e de esperança de que o inesperado pode mesmo render sempre boas recordações.
Engraçado seria se ela tivesse ouvido a música do Skank*** na volta para casa. Porém, ela só iria lembrar da similitude do contexto bem mais tarde...
O fato é que ele guardou os oito números gritados e ligou dias depois. Ela estranhou. Riu, como de costume. Desconfiada que era, procurou defeitos. Só achou o sotaque. Ele desligou com a promessa de que ligaria de novo. E ligou. Mais uma. Duas. Três vezes. Combinaram de se encontrar.
Amigos escudeiros a tiracolo. Conversas sérias misturadas com tiradas sarcásticas, todas embebidas em muito álcool e pouca música (ela amava música!). Ele apenas rock. Lá pelas tantas os guarda-costas resolveram que queriam dormir. Ele disse que queria que ela ficasse. Ela queria ficar. E seguiram noite a fora, sem seus pares originais. Caçador e caça brincando de disfarçar vontades e intenções pelas ruas da cidade. Despediram-se na entrada do prédio dela, horas depois. Ela dormiu leve. Ele dirigiu até sua casa com um ar de vitória nos olhos e um meio riso irônico num dos cantos da boca. Missão cumprida? Quem sabe... Mas seria bom garantir.
Operação 2: confirmar conquista – ele pensou. Perdeu alguns quinze minutos durante a semana que se seguiu fingindo cortejá-la. Inventou qualidades que não via nela. Pretendeu parecer mais responsável do que na verdade era, tentando impressioná-la. Mesmo não acreditando em nada, ela resolveu aceitar o convite para sair, mais uma vez. Sexta à noite. Sozinha em casa. Dia do cão terminando. Ela precisava se distrair...
Só que a distração foi um pouco divergente daquela que ela esperava. Teve que contentar-se em se distrair com os ponteiros do relógio, o aparelho tocando pela milésima vez a mesma música, a repetição do seriado na TV. Ele não apareceu, nem ligou para avisar, muito menos para contestar a mensagem debochada que ela mandou no celular dele. Ela dormiu pensando no tamanho da sua ingenuidade. Ele, provavelmente, encontrou sua próxima vítima.


***Formato Mínimo***

“Começou de súbito
A festa estava mesmo ótima
Ela procurava um príncipe
Ele procurava a próxima

Ele reparou nos óculos
Ela reparou nas vírgulas
Ele ofereceu-lhe um ácido
E ela achou aquilo o máximo

Os lábios se tocaram ásperos
Em beijos de tirar o fôlego
Tímidos, transaram trôpegos
E ávidos, gozaram rápido

Ele procurava álibis
Ela flutuava lépida
Ele sucumbia ao pânico
E ela descansava lívida

O medo redigiu-se ínfimo
E ele percebeu a dádiva
Declarou-se dela, o súdito
Desenhou-se a história trágica

Ele, enfim, dormiu apático
Na noite segredosa e cálida
Ela despertou-se tímida
Feita do desejo, a vítima

Fugiu dali tão rápido
Caminhando passos tétricos
Amor em sua mente épico
Transformado em jogo cínico

Para ele, uma transa típica
O amor em seu formato mínimo
O corpo se expressando clínico
Da triste solidão, a rubrica”

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